Indústria 4.0: das táticas de sobrevivência à estratégia de reindustrialização
A Indústria 4.0 trata essencialmente da alocação eficiente de recursos. Idealmente, combinação de canais de venda digitais, big data, sistemas de logística, automação, gestão industrial e uma série de recursos inteligentes – e interoperáveis, evidentemente – na cadeia de produção faz com que tudo conspire para entregar o produto certo, ao preço mais razoável, quando o mercado mais quer, dentro das condições de fabricação e distribuição mais econômicas e sustentáveis.
Na prática, cada setor ou companhias vai aproveitar de forma peculiar as oportunidades tecnológicas, conforme suas prioridades.
Corporações e iniciativas nacionais buscam revolucionar eficiência e agregação de valor, ao mesmo tempo em que mudanças incrementais dão fôlego de competitividade para seguir o caminho de inovação e sustentabilidade.
Embora componham o mesmo capítulo do livro de história, a “revolução” industrial não envolveu rupturas datadas, como aconteceu nas revoluções americana e francesa naquele momento.
Nas “revoluções” posteriores, apenas os mais atentos percebiam a profundidade das transformações enquanto estavam em curso, e é ainda mais raro quem tenha conseguido antevê-las.
No caso da Indústria 4.0 (inicialmente o nome do projeto alemão, que se tornou o termo de referência), vários fatores puxam o foco para discussão sobre o futuro das economias industriais.
De um lado, a evolução tem interseções com tecnologias relativamente familiares aos consumidores de serviços, como personalização, disponibilidade sob demanda e inovações deflacionárias (nuvem, portais de compartilhamento, SaaS etc.).
Vem também em um momento de muita inquietação entre empresários, engenheiros, trabalhadores e todos os agentes que dependem da produção de bens.
No Brasil, questões como exposição à concorrência, políticas estratégicas, reorganização de arranjos produtivos e outras preocupações parecem amenidades diante de recordes de retração da demanda e ociosidade. Mas a pior coisa a se fazer agora é não fazer nada.
Na Alemanha, tomando como referência o país onde surgiu o conceito de Indústria 4.0, se busca maximizar as vantagens de um parque com alta capacidade de agregação de valor (com alta tecnologia) e do capital humano.
Entre as empresas que compõem a iniciativa, um indicador comum de maturidade é o uso de Sistemas de Execução de Manufatura (MES), para automação e gestão dos processos industriais. Agora, é preciso que esses sistemas interajam em múltiplas integrações na cadeia produtiva.
É necessário ainda que as informações circulem de forma acessível e segura. Cabe destacar que, pela própria vocação da indústria alemã, quase todo desenvolvimento foca no setor de manufatura discreta, uma tendência da Indústria 4.0 no resto do mundo.
No Brasil, alguns empreendimentos sinalizam caminhos interessantes de competitividade, com conceitos da Indústria 4.0. Recentemente, uma grande indústria automotiva incluiu os diversos módulos do MES na base do projeto de uma nova planta, desde a automação da manutenção à gestão fim a fim dos materiais e produtos.
A redução do quadro, assim como gastos drasticamente menores com energia, matéria-prima e ineficiências, já apresentam retorno imediato. No entanto, a companhia já prepara sua arquitetura para integração com parceiros, sistemas de terceiros e outras oportunidades de se diferenciar no mercado.
É natural que a Indústria 4.0 comece a se desenvolver nos setores de produtos mais complexos, com demanda elástica, margens apertadas e expostos à competição. Possivelmente, não faz tanto sentido a negócios de “fabricar e vender”.
Contudo, para o bem das economias, é desejável que as inovações sejam acessíveis e aplicáveis em vários contextos. Qualquer negócio que precise de alta eficiência na produção para aproveitar de forma perfeita sua afinidade com determinado mercado deve se beneficiar.
No chão de fábrica ou nas oficinas, equipamentos com autos sensoriamento, sistemas embarcados, interfaces touch screen e outros recursos avançados fazem toda diferença. Os sistemas de gestão, todavia, não podem ficar restritos às “elites” dos parques produtivos e são necessárias soluções para entender e inserir o legado.
Mais importante, a tecnologia e todo o suporte ao modelo digital de produção têm que ser oferecidos com custos acessíveis a vários segmentos, sem engessar os diversos processos de cada ramo. Nisso, temos relativa vantagem no Brasil, pela tradição dos desenvolvedores locais no atendimento a médias e pequenas empresas (que praticamente nenhum fornecedor nacional jamais pôde excluir de seu radar).
O Brasil ainda está por esboçar alguma estratégia sistemática para Indústria 4.0, embora organizações como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e principalmente a Abimaq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Máquinas e Equipamentos) venham promovendo estudos, informações e debates.
Mais do que olhar um futuro de Internet das Coisas e robôs falantes, a questão é identificar como fazer que valores como marca, localização, relacionamento com fornecedores, ou conhecimento do mercado resultem em rentabilidade da operação e competitividade do produto final.